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segunda-feira, 23 de junho de 2014

A Rua Oito

A Rua Oito 

Passar naquele lugar, por aquele caminho, era algo do qual eu não gostava. O cheiro podre e a falta de iluminação adequada eram realmente motivos, mais do que suficientes, para eu não querer andar naquela rua por volta das onze e meia da noite. A inquietação e o medo aumentavam a cada passo dado. Ao voltar do trabalho para casa o lugar mais rápido e seguro, se assim posso dizer, era aquele.

Contudo, nada conseguia me deixar mais perturbado do que passar em frente a uma casa muito antiga, localizada na rua oito. Parecia que eu podia sentir o cheiro tocado a vento e enxergar o ambiente interno daquele local, pelas janelas quebradas e envelhecidas. Era estranho, assustador e ao mesmo tempo instigante. Eu crescera ouvindo diversas histórias a respeito da casa. Histórias de fazer os mocinhos dos filmes de faroeste se borrar e correrem para não pagar pra ver. Histórias das quais eu também não gostaria de saber se era ou não verdade. Sempre que esses pensamentos me vinham à mente, eu apertava mais o passo.

Eu ficava feliz de chegar em casa e me sentir aliviado de saber que estava tudo bem. No entanto, naquela noite senti algo estranho e não habitual. Fiz tudo o que tinha de fazer e fui dormir. Durante o sono, o sonho que tive me colocou em frente à casa da rua oito e foi algo que realmente parecia ser muito real. Conforme eu sentia o frio da rua que eu estava acostumado e o cheiro que eu também não conseguia suportar.Já não sabia distinguir se era ou não, realidade.

Mas o que importa isso? Estar parado em frente à casa, era o de menos.Eu já havia passado por ali diversas vezes. O que poderia dar errado? Era apenas um sonho, nada mais. No entanto, para minha surpresa, surge uma figura estranha e com uma expressão ameaçadora na porta. Tinha o aspecto de uma senhora de idade. Seus olhos eram sem vida e sua expressão cansada. Os cabelos que tiveram sua cor roubada pelo tempo pareciam reluzir ao luar. Ela me encarava e o terror daquela cena sombria, me faria desejar nunca ter dormido naquela noite. Mas seria aquilo um sonho, apenas?

Simplesmente eu não sabia o que fazer. Fiquei parado, como uma criança quando vê o irmão mais velho fazendo besteira e não sabe se fala, ou se fica calado apenas observando. Pude perceber que os ratos corriam agitados e entravam e saiam dos bueiros como se estivessem brincando de esconder. De repente, vozes começam a surgir e se assemelham a um coral de igreja fazendo com que meus tímpanos vibrem com o terror e eu fique ainda mais congelado pelo medo. A porta da casa se abre e a figura estranha é sugada para dentro como se desmaterializasse na minha frente. Gostaria de ter falado milhares de coisas, mas o medo inconsciente e irracional não me permitira dar sequer um olá. Como se eu quisesse dizer algo, realmente.

Acordei ensopado de suor, com uma sensação ruim e estranha de como quando você está com febre. Estava cansado e por incrível que pareça, sentindo ainda o cheiro daquela rua fedida e tenebrosa. A sensação ao acordar de que aquilo, não foi apenas um sonho. De uma maneira infantil e até um pouco boba, me perturbou. Logo, tratei de voltar à realidade e dizer a mim mesmo, como homem feito, para largar de besteira e deixar de ser medroso. Parecia até uma criança de oito ou nove anos, assustado com algo que nunca havia existido.

No dia seguinte, fui ao trabalho e busquei na medida do possível passar o meu tempo ocupando de todas as formas minha cabeça. Era difícil admitir que aquele sonho me perturbara. Algo me dizia que não ia ser como nos outros dias. Pensei: Deixa de bobeira, e fica tranquilo. Vai ser mais um dia, apenas. Mais um dia.

No final do dia, estava voltando pra casa e chegava o momento de passar por aquele lugar onde eu realmente odiava. A rua oito. Ali perto tinha um bar. Geralmente eu ia com os amigos do trabalho beber e me divertir. Isso, antes do bar fechar e a rua perder o último sopro de alegria e diversão que tinha. A única coisa que chamava a atenção agora era aquela casa velha e perdida no meio do nada. Além dela, existia apenas outra na rua, da qual os moradores se mudaram com medo de tantas histórias e coisas bizarras que aconteciam por ali. Mas enfim, era apenas uma casa e isso é bobeira. Eu tinha que passar pela rua. E realmente, por mais que eu tentasse me acalmar era algo que eu não estava disposto a fazer.

Apertei o passo conforme sempre fazia, senti um frio congelar meu corpo, um medo dilacerante e estúpido. Mas no final das contas, nada aconteceu. E eu passei. Consegui vencer o que mais me assustou naquele dia. E eu me sentia muito bem por ter conseguido superar o meu temor. Enquanto eu estava perdido em meio aos meus pensamentos de vitória, o som das vozes começou a ecoar por toda a rua. Eram risadas medonhas e irônicas que acompanhavam o vento. Estremeci totalmente. Dessa vez eu desejei estar sonhando, mas não estava. Não é possível, isso não pode estar acontecendo. Aquilo foi um sonho, isso é um sonho. Só pode ser.

Quanto mais eu tentava me convencer de que aquilo era irreal, mais a realidade me fazia afundar em um mar de desespero e medo. Olhei para trás. Quando eu me virei vi aquela senhora parada em frente à casa, rindo. Com uma espécie de sorriso sombrio e um leve tom ameaçador. Tamanho medo e terror explodiram em uma pergunta: O que você quer? Deixa-me em paz!

A figura estranha gritou: Nunca! e começou a caminhar para dentro da casa até sumir. Eu por outro lado, corri e corri muito. Acho que se eu estivesse participando de algum torneio olímpico eu seria o vencedor com folga.

Cheguei em casa e tratei logo de tomar alguns calmantes para me afastar daquelas imagens e tudo o que havia acontecido. Não acreditava no que tinha visto e ainda assim, meu coração parecia querer saltar pela boca. Finalmente, depois de algum tempo eu adormeci.

Semanas se passaram após o ocorrido e nunca mais tornei a ver a figura estranha.

De vez em quando eu ainda paro em frente à casa da rua oito. Talvez, tentando enfrentar meus próprios medos. Talvez, para saber se algo vai acontecer conforme naquele dia. O tempo vai me fazendo questionar até que ponto o que eu vi, se foi real ou não. Talvez eu estivesse sonhando. Pode ser fruto do meu medo e imaginação. Por fim, quando tudo parece se acalmar, algo estranho sempre acontece. Às vezes, o cheiro podre e nauseante da rua oito parece surgir do nada. Como um aviso. Como um lembrete. Mostrando que sonhos e realidade nem sempre estão tão distantes assim.

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